Porque escrevi dois livros e tantos artigos?
- Carmen Souza Soares Reis
- Mar 29, 2023
- 6 min read
Updated: Aug 22

Como cheguei a publicar dois livros? Porque continuo a escrever tantos artigos e me dou ao trabalho de manter um Blog para divulgá-los? Tenho ouvido essas perguntas. Vou tentar responder aos amigos e parentes que resolveram exercer o seu direito de me questionar.
Tudo começou com a grande quantidade de objetos que me chegaram às mãos por herança das minhas duas famílias de origem. Verdadeiras preciosidades que os meus familiares tiveram o cuidado de preservar e o fizeram com imenso carinho: raros e valiosos daguerreótipos, álbuns de fotografias assinadas pelos ilustres pioneiros da fotografia do século XIX, centenas de fotos esparsas, outras centenas de cartas, manuscritos, e valiosas informações rabiscadas em pedacinhos de papel que miraculosamente sobreviveram até os meus dias. Achei que seria um desrespeito e um pecado relegar aqueles preciosos materiais à penumbra do esquecimento!
Tive que aguardar a minha aposentadoria para gozar da tranquilidade necessária para um exame cuidadoso do conteúdo das caixas que haviam vindo do hemisfério sul para o hemisfério norte com a minha mudança. Já conhecia muitos nomes que começaram a se organizar na minha mente: liguei-os a fatos e datas. Em seguida, surgiram novos nomes e novos fatos: um nome puxava outro nome, um indício tornava-se um fato. Novas incógnitas esboçavam-se na minha mente. Passei a produzir anotações com incrível rapidez e começaram a multiplicar-se os papéis! Foi preciso muita diligência e paciência para empreender a tarefa de organizar todo o material que herdei mas, pouco a pouco, consegui. Comecei então a vislumbrar a possibilidade de divulgar todo aquele material que eu já conseguira organizar em forma escrita.
Alguns parentes interessaram-se de imediato e me ajudaram na tarefa de coletar mais dados. Eles facilitaram a minha missão e os nossos laços de amizade se estreitaram. Outros mostraram uma certa indiferença a tudo que fosse estranho ao pouco que já conheciam e ficou evidente que havia entre nós uma grande diferença de objetivos de vida.
Encontrei pessoas que acreditavam cegamente em certos episódios da tradição oral que eu consegui derrubar através da descoberta e comprovação de fatos diferentes ou contraditórios. Nesse caso, formaram-se até animosidades. Também encontrei algumas pessoas que não tinham a menor curiosidade de conhecer os seus ancestrais, que ignoravam solenemente o fato de que sem eles não estariam trilhando o seu caminho presente. Dizem que "nós somos porque fomos"... O que seria de nós sem aqueles que nos precederam? Aqueles que não pensavam como eu, me fizeram compreender o significado do termo “desapego retrospectivo.” Para eles, criei no meu pensamento uma nova categoria de pessoas diferentes de mim, que desprezam a importância da tradição e do conhecimento do passado. Tudo bem: não somos todos iguais, nem parecidos.
Foi uma longa jornada e um grande aprendizado. Muitos primos me acompanharam em cada passo da tarefa a que me propus e formamos um grupo afetivo coeso, ligado por algo mais do que laços de sangue. Outros optaram por aguardar os resultados finais do meu trabalho e hoje infelizmente desconhecem vários episódios interessantes e acontecimentos comoventes que aconteceram na nossa família e que foram discutidos apenas entre os interessados, pois não foi possível divulgar em forma impressa e para o grande público, a totalidade das descobertas que fiz.
Nenhuma pessoa da minha família, seja ela brasileira, portuguesa, açoriana, ou norte-americana, teve suficiente envergadura para figurar nos capítulos da longa História do nosso planeta. Alguns salientaram-se um pouquinho mais sobre os seus pares e viveram momentos de glória efêmera. Foi interessante encontrar na história da minha família inesperados episódios trágicos, histórias ingênuas e sonhos de glória, todos revestidos de merecimento e dignos de ser relatados, pois são exemplos de vida ditados pelo coração, pelo pensamento e pela virtude. Posso dizer sem sombra de dúvida, que só conhecer algumas histórias vividas pelos meus ancestrais já teria dado sentido ao meu trabalho!
Organizar os materiais herdados foi apenas o início da minha tarefa. Tive que pesquisar mais a fundo as minhas origens e passei a estudar os registros paroquiais das freguesias portuguesas em que os meus ancestrais viveram. O exame dos microfilmes desses registros foi um processo bastante longo: passei horas, dias, meses e muitos anos frequentando o Centro de História da Família da igreja mórmon que havia perto da minha casa em Chantilly, Virginia. Em pouco tempo passaram a me considerar Genealogista. Na sequência, fui convidada a me tornar Assistente Voluntária (a única não-mórmon que havia na equipe) para orientar novos pesquisadores, ajudar na interpretacão de caligrafias antigas e na tradução de registros em línguas estrangeiras. E assim passei muitos anos da minha vida...
Como resultado dessas pesquisas, milhares de indivíduos tiveram seus nomes descobertos e mencionados nas árvores genealógicas que publiquei no site da Ancestry e depois nos meus dois livros. Não produzi nenhuma obra de linhagem que mereça ser reproduzida com cunho literário. Apenas integrei os nomes daquelas pessoas na história da minha família e através dos meus livros, ressuscitei e dei pousada aos meus ancestrais. Simples assim.
Tive a sorte de ter sido criada acreditando que todos nós somos inesquecíveis. Por mais modesta ou apagada que tenha sido uma existência, sempre terá deixado alguma lembrança da sua passagem pela vida de alguém. Alguns dos meus tios, avós e bisavós pensavam assim e por isso deixaram preciosas anotações sobre os seus contemporâneos.
Eu escrevi sobre pessoas de quem me orgulho. A começar pelos meus ancestrais flamengos, que eram de elevada estirpe e consorciaram-se com a nata da primeira sociedade que povoou as ilhas açorianas. Sobre alguns deles, admiro-me que nunca tenham requerido carta régia para o uso de brasão de armas, pois tinham fidalguia para isso. Adotavam, quando muito, o brasão tradicional do seu apelido de família, como era tradição naquela época.
Os açorianos descendentes dos colonizadores flamengos souberam honrar a terra onde nasceram. Comportaram-se com nobreza e distinção, não pela prática de hábitos de linhagem, mas pela nobreza de seus sentimentos, que transformaram em ações e assim honraram as gerações que os precederam e inspiraram as gerações que os sucederam.
Relatei o modo de viver dos pelotenses descendentes de imigrantes açorianos e de portugueses do continente, que granjearam relações da mais notável importância. Sua hospitalidade era principesca sem ter objetivo de exibição, e jamais recusavam auxílio de seu bolso para o que quer que fosse: festividades, benefícios públicos, ou simples caridade a quem lhes batesse à porta. Tentei relatar um pouco dos costumes culturais e sociais da alta burguesia pelotense, que tanta fama deram àquela cidade.
Minha modesta produção literária certamente não me fará rica nem famosa. Escrevi dois livros que contam a história de duas famílias, publiquei árvores genealógicas de famílias ligadas a essas, escrevi artigos sobre personagens históricos polêmicos ou esquecidos, e continuo a escrever artigos sobre casas senhoriais portuguesas e as famílias que as habitaram. Se não vou me tornar rica nem famosa através do que tenho escrito, para que servem então os meus artigos e livros?
Eu vejo da seguinte maneira: em cada um dos meus livros, não só contei a história de uma família, mas figurativamente ressuscitei os seus mortos! Cada exemplar dos meus livros contém fotos e passagens da vida de muitos personagens que estavam esquecidos pela implacável passagem do tempo que tudo apaga. Fui eu quem os ressuscitou e lhes proporcionou a imortalidade. Orgulho-me muito disso!
Meus artigos sobre personagens que a história esqueceu ou interpretou mal, são uma tentativa de reabilitar algum valor que era desconhecido ou passou despercebido pela grande maioria. Sei que escrevi algumas passagens vibrantes de ação e rescendentes de sentido, e elas cativaram alguns leitores. Meus artigos não são biografias. Material eu tinha de sobra, imaginação talvez também, mas eu quis apenas me ater aos fatos e deixar as conclusões a cargo dos leitores.
Nos três casos (livros, artigos publicados online, e artigos deste Blog), fiz o possível para que os meus vultos familiares ressuscitados não parecessem exumados: tentei revestí-los de vida e completei-os o quanto pude. Usei um pouquinho de pensamento psicológico para tentar dar-lhes cor e movimento. Deixei o cenário a cargo da imaginação dos leitores, na maioria das vezes, mas não no caso das casas senhoriais, pois ali o objetivo é justamente apresentar o cenário onde se desenvolveram as ações de alguns personagens já conhecidos.
Se eu fosse artista ou escritora, teria juntado um pouco de poesia aos fatos que relatei, ou teria romanceado a verdade histórica. Mas não foi o caso. Sou apenas uma bem intencionada contadora de histórias. Se melhor não fiz, foi porque melhor não soube. E pronto!
___________________
Carmen Souza Soares Reis
2022

























Comments