VAIRÃO 1849-1859 - uma década decisiva
- Carmen Souza Soares Reis
- Jul 13, 2021
- 7 min read
Updated: Jun 5

Igreja do Salvador do Mosteiro de Vairão
onde foi sepultado o Dr José Alvares de Souza Soares
O cirurgião Dr. José Alvares de Souza Soares faleceu em Vairão em maio de 1849. Era casado com Dona Maria José do Carmo de Queirós, que conheceu como diretora da farmácia do Convento de Vairão. Casaram-se em 1829 na cidade do Porto, seguindo tradição da família dele, e estabeleceram-se em Vairão, no lugar de Covilhã, onde tiveram oito filhos: Maria Isabel nasceu em 1829, Mariana Carolina em 1833, Antonia Lucinda em 1834, Maria da Purificação em 1837 (faleceu pequena), Antonio Pedro em 1839, Lucrécia em 1841, Anna do Carmo em 1843, e José em 1846.
A família se mudara há pouco tempo para uma casa no lugar de Real de Baixo quando o Dr. José Alvares de Souza Soares faleceu inesperadamente, antes de completar 54 anos de idade. Dona Maria José tinha 44 anos e estava grávida do seu nono filho quando ficou viúva. A morte prematura do chefe da família Souza Soares causou uma inesperada mudança no projeto de vida dos que o sobreviveram. A viúva ficou sem recursos. Seus bens de raiz eram foreiros ao Convento das Religiosas Beneditinas de Vairão: ela podia usufruir, mas não dispor deles. O futuro dos irmãos Souza Soares tornou-se incerto. O filho mais velho, Antonio Pedro, tinha apenas 10 anos mas já se antecipava que ele não conseguiria afirmar-se numa profissão lucrativa, pois não contava com recursos de dinheiro ou poder para tal.
A esperança da família Souza Soares estava nas mãos da mãe. Felizmente, Dona Maria José tinha uma profissão: ela levara a sério a arte da Farmácia que aprendera com seu pai e prestara provas públicas na Escola Médica do Porto. Foi uma das primeiras mulheres diplomadas por aquela Escola. Trabalhara na farmácia do Convento de Vairão quando solteira e portanto, tinha a habilitação necessária para garantir o sustento dos seus sete filhos. No entanto, seu adiantado estado de gravidez a impedia de trabalhar.
Maria Isabel, a única filha maior de idade, estivera recolhida ao Convento de Vairão e voltara para casa após a morte do pai, para ajudar a mãe e as irmãs Mariana Carolina e Antonia Lucinda (de 16 e 15 anos) nas lides domésticas e no cuidado com os irmãos menores. Foi assim que conseguiram sobreviver nessa época de difícil transição...
O ano de 1849 foi cheio de emoções para Dona Maria José: perdeu o marido em maio e dois meses depois deu à luz seu filho póstumo Francisco de Assis. Poucos meses depois recebeu a notícia que o seu pai, o Dr Antonio Coelho de Magalhães Queirós, falecera em Vila Meã. Em pouco tempo perdeu os únicos homens que podiam apoiá-la na vida. E foi novamente atingida pela tragédia em 1851, quando seu filhinho Francisco faleceu antes de completar 2 anos de idade. Em seguida o filho mais velho, Antonio Pedro, partiu para o Brasil aos 12 anos de idade, sem nenhuma garantia de que um dia voltaria a ver a família. Apesar do seu caráter forte e decidido, Dona Maria José estava desamparada em Vairão, com seis filhos para criar. Sua família de origem vivia na aldeia de Vila Meã. Lá ela tinha nove irmãos que podiam apoiá-la. Sua mãe, Dona Madalena Emília, ainda dirigia a sua casa aos 67 anos, e sua irmã Delfina Emília assumira o comando da farmácia depois da morte do pai.
Dona Maria José sabia que seria benvinda de volta à Casa da Botica e poderia ser útil na direção do negócio que sustentava aquela família. Decidiu voltar para Vila Meã e levou consigo quatro filhos menores: Antonia, Lucrécia, Anna e José. Esses quatro irmãos Souza Soares foram viver com a família Magalhães Queirós em Vila Meã. Maria Isabel e Mariana Carolina ficaram na casa do lugar de Real de Baixo por alguns anos. Depois que Mariana Carolina casou-se, Maria Isabel mudou-se para uma casa que ainda existe no lugar de Vairão, perto da Capela de Santo Ovídio.

Casa da Botica de Vila Meã, da família Magalhães Queirós
onde nasceu e faleceu Dona Maria José do Carmo de Mesquita Queirós
Dona Maria José viveu apenas tres anos como viúva na Casa da Botica, onde nascera. Faleceu em 15 de março de 1854, poucos dias após ter completado 49 anos.
Meu bisavô José contava que depois da morte da mãe, ele ficou aos cuidados da sua tia Delfina Emília da Casa da Botica, começando então sua iniciação como aprendiz de farmacêutico. Em 1862 ele iria para o Brasil reunir-se com seu irmão Antonio Pedro em Recife. Anos depois iria para o Rio Grande, onde começou sua carreira de homeopata.
Minha bisavó Lucrécia contava que, apesar da morte da mãe, o tempo que ela e suas irmãs passaram na Casa da Botica foi de muita alegria, pelo convívio com a avó, com os tios e os parentes de Vila Meã. Entre esses estavam os primos Paulo e Glória de Magalhães, que também foram para o Brasil e casaram na família Souza Soares, e os primos Teixeira Leite, da Casa do Ribeiro em Oliveira, que também emigraram para Pernambuco, e um deles (Bernardo) viria a se tornar marido da minha bisavó Lucrécia.
Em 1867, Antonio Pedro voltou a Portugal para buscar suas tres irmãs. Lucrécia e Anna voltaram com ele para Recife, mas Antonia não quis ir. Ficou vivendo na Casa da Botica, onde faleceu solteira em 1874.

Igreja do Salvador de Real (Igreja Velha de Real)
onde foi batizada e sepultada Dona Maria José do Carmo de Mesquita Queirós
Em seguida à morte da mãe, os nomes de Maria Isabel e Mariana Carolina começam a aparecer nos registros paroquiais da Igreja de São Salvador do Mosteiro de Vairão. Em outubro de 1855, Maria Isabel foi madrinha de um batismo, em que o padrinho foi um Antonio Ferreira Vinhas. Em novembro de 1856, Mariana Carolina casou-se na com o escrivão José Maria Pereira Falcão, tendo como testemunhas o Reverendo Antonio José da Costa e o mesmo Antonio Ferreira Vinhas. Em fevereiro de 1857 (tres meses depois do casamento de Mariana Carolina), nasceu no lugar de Real de Baixo o menino Albino, filho de Maria Isabel de Souza Soares, que foi batizado uma semana depois, na Igreja de São Salvador do Mosteiro de Vairão, sendo madrinha sua tia Lucrécia, que viera de Vila Meã para assistir o casamento da irmã e o nascimento do sobrinho. O nome do pai de Albino Alvares de Souza Soares (Albino Soares Bairão) não consta do seu assento de batismo, mas vai aparecer mais tarde no assento do seu casamento em São Paulo, em 1878: era o mesmo Antonio Ferreira Vinhas que fora padrinho de casamento de Mariana Carolina e padrinho de um batismo em que Maria Isabel foi madrinha. Não se sabe quando começou o relacionamento dos dois, mas as datas revelam Maria Isabel já grávida na ocasião do casamento da irmã. Em novembro de 1858, Maria Isabel teve outro filho, Sebastião, que também foi batizado na Igreja de São Salvador do Mosteiro de Vairão, sem que o nome do pai fosse mencionado no assento de batismo. Como no caso do seu irmão, o nome de Antonio Ferreira Vinhas aparece como pai do noivo no assento do casamento de Sebastião Alvares de Souza Soares, realizado na cidade de Rio Grande em 1879.
Antonio Ferreira Vinhas faleceu em Vairão em agosto de 1859. O assento de seu óbito e outros registros paroquiais revelam elementos que permitem ter uma ideia aproximada de como se desenrolaram os fatos. Antonio morava no lugar de Real de Baixo, portanto era vizinho da família Souza Soares. Faleceu no estado de casado com Maria Angélica Ramos, com quem teve sete filhos entre junho de 1834 e março de 1850 (o último filho foi gerado em junho de 1849). A família Souza Soares foi morar no lugar de Real de Baixo por volta de 1847 e em seguida Maria Isabel recolheu-se ao convento. O que podemos imaginar é que ela tenha se envolvido com este vizinho casado e que tenha entrado para o convento forçada pelo pai, ou por decisão própria, diante da impossibilidade de realizar o seu amor. O testamento do Dr. Souza Soares contém uma disposição interessante: ele deixou para esta filha a metade da sua terça de alma, condicionada à decisão dela vir ou não a professar em definitivo (os termos do documento são confusos). O fato é que Maria Isabel saiu do convento em seguida à morte do pai.
Dez anos se passaram entre a morte do Dr José Alvares de Souza Soares e a morte de Antonio Ferreira Vinhas. Em 1849, a vida da família Souza Soares de Vairão foi modificada pela morte do pai. Nos anos seguintes, a viúva e cada um dos filhos tomaram rumos diferentes. Em 1859, Maria Isabel perdeu seu companheiro e ficou sozinha em Vairão, na condição de mãe solteira com dois filhos para criar. Minha bisavó Lucrécia passava temporadas com essa irmã e muito a ajudou com os filhos, até a sua ida para o Brasil em 1867. Interessante mencionar que todas as moças Souza Soares eram exímias costureiras, a exemplo de suas tias e primas da Casa da Botica, e algumas ganhavam dinheiro com essa habilidade.
Em 1869, dez anos após a morte de Antonio Ferreira Vinhas, seu filho Albino foi para o Brasil, aos 12 anos de idade. Radicou-se em São Paulo e formou a família Soares Bairão. Seu irmão Sebastião também foi para o Brasil: chegou em Recife em 1870, aos 11 anos de idade, e reuniu-se com os tios que já lá estavam. Em 1872 seguiu com seu tio José para Rio Grande, onde veio a casar-se e constituir família.
Em 1874, Maria Isabel casou-se na Igreja de São Salvador do Mosteiro de Vairão com o viúvo João da Costa Simões. Não se sabe quanto tempo estiveram casados, nem quando ele faleceu. Em 1891 Albino Soares Bairão voltou para Portugal, estabeleceu-se em Vairão com sua família e já encontrou sua mãe viúva. Infelizmente, duas filhinhas de Albino morreram naquela ocasião e ele resolveu retornar a São Paulo, levando com ele a mãe viúva. Maria Isabel chegou ao Brasil com 62 anos e ali viveu até os 85 anos de idade. Sua família viveu sempre em São Paulo. Um de seus netos, o único filho de Sebastião Alvares de Souza Soares, nascido em Rio Grande, foi para São Paulo juntar-se à avó e aos primos Soares Bairão.
Minha avó Rosina (filha de Lucrécia) lembrava-se de uma tia portuguesa que se hospedou na casa deles em Recife e que carregava com ela um misterioso bauzinho, que logo despertou a curiosidade das crianças. Ela sentava-se sobre o baú, na soleira da porta da cozinha, e fumava um pito. As meninas achavam aquilo muito estranho e passou a ser sinistro, quando Lucrécia respondeu às perguntas das filhas sobre o misterioso bauzinho, revelando que era o baú de ossos do marido da tia! Será que essa tia era a Maria Isabel?
Maria Isabel foi a última a sair da terra natal dos irmãos Souza Soares. Todos os irmãos foram para o Brasil, exceto Antonia Lucinda, que faleceu solteira em Vila Meã, e Mariana Carolina, que sempre viveu em Cabeceiras de Basto com o marido, mas permitiu que tres dos seus oito filhos fossem para o Brasil: Adriano, José Maria e Celestino Soares Falcão.
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Carmen Souza Soares Reis
2021

























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