Dona MARIANA EUFRÁZIA da SILVEIRA - Quem foi esta senhora?
- Carmen Souza Soares Reis
- May 12, 2022
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Updated: Jun 5
Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA e seu marido o Capitão-Mór FRANCISCO PIRES CASADO tiveram 10 filhos. Meu pai José Pires Reis era trineto do 9º filho, o Alferes IGNÁCIO ANTONIO PIRES (1773-1854), patriarca da Familia Pires de Pelotas. O 3º filho, MANUEL MARCELINO PIRES (1760-1824) foi patriarca da Família Pires de Porto Alegre. As 3 filhas que deixaram descendência formaram as famílias Paiva, Silveira e Gomes Viana.
Quando eu era pequena, fui muitas vezes ao cemitério de Pelotas com meu avô Juca Reis e conhecia bem o jazigo perpétuo nº 055, que contem os restos mortais do Alferes IGNÁCIO ANTONIO PIRES e de toda a família Pires. Apenas os seus pais, o Capitão-Mór FRANCISCO PIRES CASADO (1723-1803) e Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA (1732-1822), foram sepultados em Rio Grande (ele na Matriz de São Pedro e ela nas catacumbas da Irmandade de NS do Carmo). Os dois faleceram em datas diferentes, na Fazenda Santo Antonio, que era de Manuel Gonçalves da Silveira, o sogro de Ignácio Antonio Pires. Como essa fazenda pertencia à jurisdição de Rio Grande, ambos foram sepultados naquela cidade: ele na Matriz de São Pedro (atrás do altar-mór) e ela nas catacumbas da Capela da Ordem do Carmo.
Minha família sempre falava sobre os nossos ancestrais Pires. Eles sabiam que a cidade de Pelotas tinha sido fundada em terrenos que pertenciam a essa família e sabiam que Dona Mariana Eufrázia da Silveira era considerada a "fundadora da cidade de Pelotas". Sei que o nome desta senhora aparece nos livros de História que falam sobre a fundação da cidade de Pelotas e ouvi de vários estudantes pelotenses uma descrição de Dona Mariana Eufrázia da Silveira como tendo sido “uma senhora muito rica e generosa, que doou terrenos para a construção da cidade de Pelotas”. Quando examinamos melhor esse assunto, vemos que essa afirmação não reflete exatamente os fatos como se passaram. Minhas pesquisas esclareceram alguns pontos importantes dessa história, que publiquei no livro "A Casa da Rua Quinze - Memórias de uma Família Pelotense".

A história de Pelotas começa com o casal açoriano ANTONIO FURTADO DE MENDONÇA e ISABEL DA SILVEIRA. Eles deram o nome de MARIANA à sua 5ª filha, que nasceu na vila da Horta, ilha do Faial, em 1732. Antonio e Isabel já tinham sete filhos quando emigraram para o sul do Brasil em 1752. Estabeleceram-se em Rio Grande. Em dezembro do mesmo ano, Mariana casou-se com FRANCISCO PIRES CASADO, também recentemente chegado dos Açores. Ela tinha 20 anos. Ele tinha 26, estudara para ser padre e chegara a receber as ordens menores. Ao conhecer Mariana, mudou seu projeto de vida.
Mariana e Francisco tiveram dez filhos entre 1754 e 1775. Os quatro primeiros filhos nasceram em Rio Grande. Em 1763 houve a invasão dos espanhóis e eles fugiram de navio para o Rio de Janeiro. Voltaram para o sul em 1768, com mais uma filha. Foram morar em Viamão e ali tiveram mais cinco filhos. Todos os irmãos de Francisco Pires Casado tinham se refugiado em Viamão. O vigário da freguesia de Viamão era o PADRE PEDRO PIRES DA SILVEIRA (1729-1781), um dos seus irmãos. É com este padre que começa realmente a história da fundação da cidade de Pelotas.
Consta que o primeiro povoador das terras de Pelotas foi Luiz Gonçalves Viana, mas é certo que em 1778 o Tenente Manuel Carvalho de Souza foi quem requereu a posse do rincão devoluto. Como não tinha nenhuma intenção de se estabelecer naquelas terras, ele as vendeu ao PADRE PEDRO PIRES DA SILVEIRA em 1780. O padre requereu legalmente a sua Carta de Sesmaria e batizou a propriedade como Sesmaria do Monte Bonito. No ano seguinte, pouco antes de morrer, vendeu (ou doou) as terras ao seu irmão mais moço, o Capitão IGNÁCIO ANTONIO DA SILVEIRA.
No mesmo ano de 1871, o Capitão IGNÁCIO ANTONIO DA SILVEIRA casou-se com sua sobrinha MURICIA IGNÁCIA DA SILVEIRA (a segunda filha de Francisco Pires Casado e Mariana Eufrázia da Silveira) e passou à condição de genro do seu irmão mais velho. Ele levou sua jovem esposa para suas terras recém adquiridas e ali se estabeleceram. Ao mesmo tempo, seu irmão e sogro FRANCISCO PIRES CASADO, que já era Capitão-Mór, decidiu também assentar-se nas terras do seu irmão e genro, levando com ele seus dez filhos e a mulher Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA. A propriedade era imensa. As duas famílias tinham casas separadas e criação de gados também separadas, conforme documentos de recenseamento, que levaram a desapropriações e causaram muitos dissabores ao Capitão IGNÁCIO ANTONIO DA SILVEIRA.
Dois elementos importantes a memorizar nessa história:
Primeiro: o Capitão-Mór FRANCISCO PIRES CASADO e sua mulher Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA não eram proprietários de terras. Viviam na SESMARIA DO MONTE BONITO, que era propriedade do Capitão IGNÁCIO ANTONIO DA SILVEIRA, seu irmão, cunhado e genro.
Segundo: a cidade de Pelotas foi construída em terrenos que faziam parte da SESMARIA DO MONTE BONITO, que era propriedade do Capitão IGNÁCIO ANTONIO DA SILVEIRA, irmão do Capitão-Mór FRANCISCO PIRES CASADO e cunhado de Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA.
Esclarecidos estes dois pontos, voltemos à história dessa família.
O Capitão IGNÁCIO ANTONIO (1737-1819) e sua mulher MAURICIA IGNÁCIA (1758-1821) viveram em perfeita harmonia na sua propriedade e tiveram onze filhos entre 1782 e 1801.
O Capitão-Mór FRANCISCO PIRES CASADO faleceu em 1803. A partir da sua morte, a viúva Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA entrou em litígio com o seu cunhado e genro, reivindicando a posse dos terrenos onde ela e o marido tinham se assentado desde que a SESMARIA DO MONTE BONITO fora ocupada pela família. Ao mesmo tempo, ela entrou na justiça para requerer o benefício devido ao seu falecido marido, que na qualidade de Capitão-Mór, tinha direito a receber terras em pagamento por serviços prestados à Província de São Pedro de Rio Grande e morreu sem que o Governador lhe satisfizesse esse benefício.
Em 1813, dez anos após o falecimento do Capitão-Mór FRANCISCO PIRES CASADO, o Governador Dom Diogo de Souza houve por bem fazer uma doação de terrenos à viúva do falecido Capitão-Mór. Sua família já vivia naquelas terras há quase 30 anos. Fica bem claro, pelos termos do documento de doação, que Dona MARIANA EUFRÁZIA DA SILVEIRA recebeu o benefício como “cabeça de casal” ou seja: ela recebeu do governo da Província um benefício que era devido ao seu marido e que foi pago depois da sua morte, a ela como viúva. E também fica bem claro, pelos termos da doação, que o governo estipulava uma condição: que ela doasse terrenos para a construção de igreja, praça, quartel, cadeia e hospital do Povinho de São Francisco de Paula. Portanto, não está correto dizer que ela foi “uma senhora muito rica e generosa, que doou terrenos para a construção da cidade de Pelotas”. Além do mais, essa doação tardia de terrenos à viúva do Capitão-Mór criou uma situação muito dificil para a família.
Vamos esclarecer melhor essa questão, que sei que alguns ignoram. O terreno doado perfazia um triângulo oblíquo de 840 braças na sua maior largura e 1304 braças no seu maior comprimento, era limitado a sudeste pelo Canal de São Gonçalo, a noroeste pelo Arroio Santa Bárbara, a nordeste pelos terrenos pertencentes a José Gonçalves da Silveira Calheca (irmão do meu antepassado Manuel Gonçalves da Silveira) [1] e José de Aguiar Peixoto, e a sudeste novamente com o Arroio Santa Bárbara. Se formos consultar os mapas da época que constam do meu livro "A Casa da Rua Quinze” a páginas 176 a 184, podemos facilmente verificar que o referido triângulo estava localizado dentro da propriedade do Capitão IGNÁCIO ANTONIO DA SILVEIRA. Não é difícil imaginar qual foi a situação criada por essa doação.
O Capitão IGNÁCIO ANTONIO faleceu em 1819 e sua mulher MAURICIA IGNÁCIA em 1821. No ano seguinte faleceu a viúva Mariana Eufrázia. O seu inventário continha curiosidades: entre os seus herdeiros constavam os filhos dos falecidos proprietários da SESMARIA DO MONTE BONITO, porque eles tinham direito à herança de sua mãe, que falecera antes da sua avó. Vejam que situação curiosa: Dona Mariana Eufrázia havia entrado em litígio com a família desta filha, para reivindicar a posse dos terrenos em que vivia. Conseguiu uma doação do governador, que poderia ter solucionado o assunto se ele lhe tivesse doado outras terras, mas criou uma discórdia familiar que se estendeu por muitos anos e as relações entre os parentes nunca mais foram as mesmas. Vejam que ironia: Dona Mariana Eufrázia reivindicava a posse das terras onde vivia, não foi atendida pelo cunhado e genro, posteriormente recebeu doação de terrenos que pertenciam a esse mesmo cunhado e genro, e depois de sua morte, uma parte dessas terras voltou para os filhos do seu legítimo proprietário.
Não é difícil chegar-se à conclusão, pelos termos contido no documento da doação, que o mito popular da “senhora muito rica e generosa, que doou terrenos para a construção da cidade de Pelotas” é apenas um mito. Na verdade, não descobri nenhuma doação feita por ela, desde que recebeu os terrenos em 1813 até a sua morte em 1822. Foram os seus descendentes herdeiros que honraram os termos da doação feita pelo Governador à viúva do Capitão-Mór.
Anotei fatos esparsos sobre o destino de alguns dos terrenos do centro da cidade de Pelotas que pertenceram a Dona Mariana Eufrázia:
Todos sabem que a Praça Coronel Pedro Osório (antiga Praça da República), a Prefeitura, a Bibliotheca Pública e a antiga cadeia (que fica atrás desses dois prédios), foram construídas em terrenos da Dona Maria Eufrázia. Na verdade, todo o atual centro da cidade de Pelotas pertencia a ela. A freguesia de São Francisco de Paula foi criada em 1812 por Alvará do Principe Regente Dom João e em seguida Dona Mariana recebeu a doação. Havia sido estabelecido que a igreja seria ao redor da praça, foi até lançada a pedra fundamental, mas depois resolveram mudar o local. Os terrenos onde hoje se encontra a Catedral também pertenciam a ela, mas foram vendidos a Antonio Francisco dos Anjos, que foi o doador.
A Santa Casa de Misericórdia foi inaugurada em 1847. Para que a sua construção fosse iniciada, foi preciso que Francisco Gonçalves Pires[2], filho de Ignácio Antonio Pires e neto de Mariana Eufrázia, ratificasse a doação de terrenos por parte de sua avó paterna. Sua assinatura consta nos papéis que autorizaram a construção daquele hospital em terrenos que ele havia herdado de seus avós.
A atual Galeria Central, que vai da Rua Quinze até a Rua Andrade Neves, foi construída pelos irmãos Pires Reis (meu pai e meus tios Geraldo, Luiz e Maria Célia), onde antes havia a Livraria do Globo, que alugava o imóvel do meu avô Juca Reis. Ele herdara o imóvel do seu pai, o Capitão José Teixeira dos Reis, que o construíra em terreno comprado pelo seu pai, João Pedro dos Reis, de duas filhas solteiras de Dona Maria Eufrázia: Francisca Joaquina Pires da Silveira e Joaquina Francisca da Silveira. O interessante desta transação imobiliária, é que temos a escritura original, assinada pelo meu trisavô João Pedro dos Reis, como comprador, e pelo meu tetravô Ignácio Antonio Pires, como procurador das proprietárias vendedoras, que eram suas irmãs.
E por aí vai... São muitas as histórias!
NOTAS de RODAPÉ:
[1] Manuel Gonçalves da Silveira era pai de Anna Ignácia Gonçalves, a mulher do Alferes Ignácio Antonio Pires. Sua residência era a Fazenda Santo Antonio, sita na freguesia de Rio Grande. O casamento da sua filha realizou-se no Oratório dessa fazenda, que foi também o local onde faleceram Francisco e Mariana. Francisco Pires Casado faleceu em 1803, quando ainda não havia a freguesia de São Francisco de Paula (futura Pelotas), e Mariana Eufrázia faleceu em 1822, dez anos depois da criação da freguesia.
[2] Francisco Gonçalves Pires era casado com sua prima-irmã Cecilia Gomes Viana, filha de Joana Francisca da Silveira, irmã de Ignácio Antonio Pires. Eram, portanto, ambos netos do casal Francisco Pires Casado e Mariana Eufrázia da Silveira.
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Carmen Souza Soares Reis
2021
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